Judicialização do Perse: empresas obtêm decisões para estender benefícios fiscais

Guilherme Souza 
em 11/04/2025

As empresas beneficiárias do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse) estão recorrendo ao Judiciário para garantir a continuidade dos benefícios fiscais que, segundo o governo, teriam se encerrado em 1º de abril de 2025 após atingir o teto de R$ 15 bilhões em renúncia fiscal. As decisões judiciais têm criado um cenário heterogêneo, com diferentes interpretações sobre a validade temporal dos incentivos tributários.

Fundamentos legais do conflito

O embate judicial gira em torno de duas legislações:

  • Lei nº 14.148/2021: lei original do Perse, que estabeleceu benefícios fiscais por 60 meses (até março de 2027), sem prever limite de renúncia fiscal.
  • Lei nº 14.859/2024: estabeleceu posteriormente um teto de R$ 15 bilhões para os benefícios, encerrados oficialmente pelo Ato Declaratório Executivo nº 2/2025 da Receita Federal.

Esta contradição entre as normas gerou uma onda de ações judiciais, com base em dois princípios fundamentais:

  1. Direito adquirido e ato jurídico perfeito: empresas alegam que a lei original criou uma expectativa legítima de benefício por prazo determinado.
  2. Princípio da anterioridade tributária: impede cobrança imediata de tributos, exigindo período de adaptação (90 dias para contribuições sociais e início do exercício seguinte para impostos).

Principais decisões judiciais

Decisão da 4ª Vara Federal Cível do DF (Abrasel)

No processo nº 1027337-87.2025.4.01.3400, o juiz concedeu liminar aos associados da Abrasel, estendendo o benefício “até o efetivo esgotamento do prazo de 60 meses previsto no artigo 4º da Lei nº 14.148/2021”. A fundamentação considerou:

  • A interrupção abrupta causaria ônus financeiro desproporcional
  • Violação aos princípios da anterioridade tributária e do direito adquirido
  • Necessidade de segurança jurídica para empresas ainda em recuperação

Decisões da 2ª Vara Federal de Ponta Grossa (PR)

Duas empresas de transporte rodoviário coletivo obtiveram sentenças favoráveis (processos nº 5006860-62.2024.4.04.7009 e nº 5005757-20.2024.4.04.7009) garantindo a manutenção da alíquota zero até março de 2027, com base no artigo 178 do Código Tributário Nacional, que dispõe:

“A isenção, quando concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, não pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo.”

Decisões em São Paulo

Empresas organizadoras de eventos conseguiram liminares (processos nº 5000974-93.2025.4.03.6130 e nº 5007873-03.2025.4.03.6100) aplicando especificamente os princípios de anterioridade, determinando:

  • Manutenção da alíquota zero para PIS, Cofins e CSLL até 01/07/2025 (anterioridade nonagesimal)
  • Manutenção da alíquota zero para IRPJ até 01/01/2026 (anterioridade anual)

Argumentos das partes

Argumentos dos contribuintes

  • O Perse foi instituído como medida excepcional para um setor severamente afetado pela pandemia
  • A lei original garantia benefícios por 60 meses, criando expectativa legítima para planejamento financeiro
  • A Lei 14.859/2024 não poderia retroagir para prejudicar direito adquirido
  • Há dúvidas sobre o real alcance do limite de R$ 15 bilhões (estimativas do setor privado apontam R$ 11 bilhões)

Argumentos da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional

  • A lei posterior (14.859/2024) estabeleceu claramente o limite de R$ 15 bilhões
  • O teto foi atingido conforme demonstram os dados da Receita Federal
  • Benefícios fiscais são excepcionais e podem ser limitados por interesse público

Situação atual e desdobramentos

O Congresso Nacional discute a possibilidade de uma auditoria conjunta envolvendo o Legislativo, o TCU, a Receita Federal e entidades empresariais para verificar o alcance efetivo do teto de R$ 15 bilhões. Há divergência significativa nas estimativas:

  • Receita Federal: R$ 13,7 bilhões até dezembro
  • Estudos do setor privado: aproximadamente R$ 11 bilhões

Enquanto isso, a judicialização continua e empresas de diferentes setores seguem obtendo decisões divergentes em todo o país, criando um cenário de insegurança jurídica tanto para os contribuintes quanto para o fisco.

A questão tem potencial para chegar às instâncias superiores (STJ e STF), dada a natureza constitucional e legal dos princípios envolvidos e o impacto econômico significativo para o setor de eventos e para as finanças públicas.

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