A atual discussão da reforma tributária no Senado Federal tem exposto uma questão crucial que preocupa o ambiente empresarial: a proliferação de pedidos de exceções e suas consequências práticas. O debate vai muito além da simples definição de alíquotas, centrando-se em questões aparentemente simples, mas profundamente complexas em sua aplicação.
Exemplos práticos ilustram bem essa complexidade. Qual o critério para incluir determinados sucos na categoria de bebidas essenciais, quando alguns são feitos com polpa e outros com concentrado? Podem serviços de telemedicina ser equiparados às consultas presenciais para fins tributários? E como classificar serviços emergentes, como dark kitchens – são eles restaurantes tradicionais ou um novo tipo de serviço?
Números importantes do cenário atual:
• 28,05% é a alíquota prevista para itens sem benefícios (simulação do Banco Mundial)
• 20% é a meta de alíquota média estabelecida como trava
• 25% dos produtos e serviços já estão em listas de exceção
• 1.500 emendas já foram apresentadas por senadores
• 557 reuniões fechadas foram realizadas pelo relator
• 50 páginas do projeto são dedicadas apenas a benefícios fiscais
• 14 meses nos separam do início da implementação
A experiência internacional nos alerta sobre os riscos dessas definições. Na Austrália, por exemplo, tribunais precisaram decidir se um wrap é um sanduíche ou uma refeição completa para fins tributários. Na Alemanha, houve extenso debate sobre a classificação de smoothies – seriam eles bebidas ou alimentos? No Brasil, já temos casos recentes que demonstram essa complexidade: estabelecimentos que se registram como padarias para pagar menos impostos, mesmo funcionando como restaurantes, ou lojas de roupas que se registram como outlets para obter benefícios fiscais, mesmo vendendo produtos novos.
O momento é especialmente crítico porque o Senado entra em nova fase de discussões. As audiências na Comissão de Assuntos Econômicos já ocorrem semanalmente desde setembro, e agora começam os trabalhos na Comissão de Constituição e Justiça, que tem cerca de 30 dias para apresentar a nova versão do texto para votação em Plenário.
O grande desafio nesta reta final será distinguir entre ajustes técnicos necessários e demandas que podem resultar apenas em mais judicialização e elevação de alíquotas. Por exemplo, como classificar produtos plant-based que imitam carnes? Ou ainda, qual tratamento dar a serviços de streaming educacional em comparação com cursos presenciais?
Esta situação cria um dilema fundamental: cada nova exceção concedida pressiona para cima a alíquota dos setores não beneficiados, criando um ciclo que pode comprometer a própria essência da reforma. Por exemplo, se academias conseguem redução de alíquota, isso pode aumentar a tributação de outros serviços de lazer e bem-estar.
Para as empresas, o momento exige atenção especial. Não se trata apenas de preparar-se para novas alíquotas, mas de compreender como seu setor será classificado e quais serão as implicações práticas dessas definições. Uma empresa de tecnologia que oferece soluções de saúde, por exemplo, será classificada como empresa de tecnologia ou de saúde?
Esta reforma, que deveria simplificar o sistema tributário brasileiro, corre o risco de criar novas complexidades. Imagine, por exemplo, como classificar uma empresa que oferece serviços híbridos de alimentação e entretenimento, ou uma plataforma digital que combina serviços educacionais com networking profissional. Essas zonas cinzentas podem se tornar fonte de intensas disputas tributárias no futuro.
O sucesso da implementação dependerá tanto da qualidade técnica do texto final quanto da capacidade de resistir a pressões por benefícios que possam comprometer seus objetivos fundamentais. A modernização do sistema tributário é necessária, mas precisa ser feita de forma a não criar mais complexidades do que as que pretende resolver.